Natação para concurseiros – Parte II

Por William Douglas
O esforço para fazer meu filho nadar compensa. E o seu esforço para aprender a estudar e a passar em concursos, também. Espero que você já tenha lido o artigo “natação para concurseiros – Parte I” e já tenha decidido pular na piscina.
Ah, sim, dá medo, claro! Eu também tinha medo, tanto da água quanto das provas, dos riscos, das pressões, dos goles d’água que a gente acaba por beber, dos sustos. Mas... faz parte. Depois que a gente aprende a nadar, acaba achando graça desses primeiros passos, digo, braçadas e mergulhos.

Para passar nos concursos alguns acham que basta saber a matéria. Contudo, é preciso aprender os métodos para assimilar uma quantidade tão grande de matérias.

Da mesma forma, não adianta saber a matéria e não saber como transmiti-la na “linguagem” do examinador, ou seja, em forma de perguntas e respostas, múltipla escolha, redação etc. E, ainda, não adianta saber estudar a matéria e como fazer provas se não temos controle emocional para enfrentar a pressão do cotidiano dos concursos e do dia da prova.
 

Parece muita coisa. Sim. Mas nadar também parece muita coisa: controlar a água, a respiração, os braços, as pernas, o ritmo, os movimentos cadenciados de cada um dos estilos de natação etc. Mas tudo o que parece demasiado vai se tornando comum e até fácil à medida que progredimos nos treinos. Começamos com um susto, uma taquicardia diante de tanta coisa, mas depois de um tempo de treino, de aprendizado, acabamos fazendo tudo isso de forma automática e até prazerosa. 
Claro que ainda não estamos ensinando o estilo borboleta ou a natação de costas para meu filho. Não é a hora. Muitas pessoas que desejam as enormes vantagens que a carreira pública oferece acabam desistindo porque perdem essa noção: olham um edital, ou fazem uma prova daquelas bem “cascudas”, e se desesperam crendo que jamais vão dar conta de tanta matéria e tantas dificuldades. Mas, repito, isso equivale a eu pedir ao meu filho de menos de três anos que faça um revezamento 4x100.

Minha proposta é que você veja o concurso como uma piscina, e passar em concurso como aprender a nadar. Você toma a decisão e mesmo assim, aos poucos, entra e sai várias vezes, bebe um pouco d’água (te incomoda, mas não afoga) e aos poucos vai aprendendo o que precisa. Entre na piscina, aos poucos, e descubra que nadar é possível e muito bom.

Quantas pessoas existem na piscina?
Nos primeiros movimentos para ensinar Lucas a nadar, uma das atividades consiste em fazer jogos. Um deles é  jogarmos um objeto para alguém buscar, uma bola, por exemplo. Ele joga o objeto e a pessoa busca (a professora, eu, ou outra pessoa presente), ou o contrário. Esse jogo faz com que ele, o aluno iniciante, aprenda a aceitar mais alguém no ambiente, na brincadeira.
Pois bem, você, concurseiro, também precisa aprender isso. Primeiro, a aceitar trocar bola com o professor, a ouvi-lo, a confiar nele, a seguir suas orientações. E a levar a bola para ele, com retorno, atenção, perguntas, conferência na lei e nos livros a respeito do que ele está ensinando. 
 Outro parceiro nessa “dança” é o colega de sala, que não deve ser visto como um “concorrente”, mas como um colega de viagem, com quem você pode confraternizar, trocar experiências e experimentar a produtiva troca e ajuda mútua, e ainda, se quiser, o estudo em grupo. Lembre-se de que o dia em que você chegar ao seu nível ideal de preparação não terá problema com a “concorrência”, e que os melhores estão passando. Basta trabalhar para ser o melhor daqui a algum tempo. Até lá, os melhores de hoje já não estarão fazendo as provas com você, mas sim trabalhando com estabilidade, status, boa remuneração e um excelente grau de qualidade de vida. E podendo servir ao próximo sendo pago pelo governo.

Não é demasiado mencionar que você deve se esforçar para aceitar a si mesmo nesse jogo. Assumir que é concurseiro e fazer sua parte. Não estou dizendo que é preciso colocar uma camisa dizendo “estou fazendo concursos”. Não, não é isso. Embora não seja proibido (eu, por exemplo, criei a campanha www.camisadoconcurso.com.br), não é essencial. O essencial é que no plano interno você não tenha vergonha, mas sim se orgulhe do que está fazendo. Aceite-se na piscina e aceite tomar os “caldos” típicos dessa brincadeira de adulto. Reprovações, confusões, cansaço, concursos adiados ou anulados, tudo isso está na conta de aprender a nadar.

Música, poesia etc.
Ainda devo mencionar que uma das ferramentas na natação é a música. Para treinar fechamento de glote no mergulho, uma técnica é cantar sempre a mesma música; desta forma se ensina a criança a fechar a glote em movimentos mais controlados. Depois, quando é hora de mergulhar para valer, a música é cantada novamente. Como isto funciona? A criança ouve a música e a glote se fecha automaticamente. É um treino, um condicionamento.  
Nelson Mandela tinha um poema que ele recitava para si mesmo sempre que estava desesperado. Ele o utilizou em seus 30 anos encarcerado pelo regime racista do apartheid. 

O nome do poema é “Invictus”, de autoria de William E. Henley (tradução de André C. S. Masini): “Do fundo desta noite que persiste/ A me envolver em breu – eterno e espesso/ A qualquer Deus – se algum acaso existe,/ Por mi’alma insubjugável agradeço. /Nas garras do destino e seus estragos,/ Sob os golpes que o acaso atira e acerta,/ Nunca me lamentei – e ainda trago/ Minha cabeça – embora em sangue – ereta./ Além deste oceano de lamúria,/ Somente o Horror das trevas se divisa;/ Porém o tempo, a consumir-se em fúria,/ Não me amedronta, nem me martiriza./ Por ser estreita a senda – eu não declino,/ Nem por pesada a mão que o mundo espalma;/ Eu sou dono e senhor de meu destino;/ Eu sou o comandante de minha alma.”

Já foi feita uma pesquisa e os corredores adoram correr com a música tema do filme “Rocky, um lutador”. Quando ela toca, fica mais fácil correr. A pessoa se lembra da história de superação, entra no ritmo... pensa positivamente e... tudo funciona melhor. Eu tinha minhas músicas, frases, poemas. Alguns Salmos, como o 23, o 37, o 43 e o 9, eram lidos e relidos para me renovar as forças. Até um contracheque (hollerit) de um amigo tinha seu lugar no “sistema” de motivação e remotivação que eu criei para me amparar na caminhada. Recomendo que você também tenha seu “sistema pessoal” de motivação. Se quiser, use os “mantras” que fui criando, as frases essenciais que cristalizam uma série de valores, os valores que são tão importantes quanto a matéria do edital, porque são eles que mantêm você no jogo.

Crie seu sistema, tenha sua música
O fechamento da glote existe também no concurso: equivale a não deixar passar pela sua garganta, digo, sua vida, o excesso de lazer, de sono, de preguiça, as conversas inúteis etc. E eu diria que alguma água tem que passar sim, ou ar, ou como quiser chamar um mínimo de equilíbrio, de paz de espírito, de lazer e de atividade física. Equilibrar as coisas e buscar um mínimo de harmonia para que seu desempenho alcance os melhores níveis.
Com o tempo, você aprende a ficar na piscina e se torna um bom nadador. Aos poucos, irá aprender os estilos de natação, o jeito certo de esticar e flexionar braços e pernas, de respirar, de ficar embaixo d’água um bom tempo. Você, diríamos, se “profissionaliza” e, paradoxalmente, aprende a se divertir.
Acredite, haverá uma hora em que você gostará de fazer provas e irá olhar as questões e o dia da prova com um sorriso. Leva um tempo, mas acontece.
Mais uma vez, eu convido: entre na piscina, aprenda a nadar. Vale a pena.

William Douglas é professor, juiz federal e escritor

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