Apesar
de pertencer a uma família humilde, em que sete irmãos dependiam de um
salário mínimo para viver, Carlos não desanimou e estudou sempre.
Contrariando
o diagnóstico de paralisia cerebral, que comprometeu a fala e o
movimento dos braços e pernas desde o nascimento, Carlos Henrique Silva
ultrapassou as expectativas e hoje é o mais novo técnico administrativo
da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). Sem danos
cognitivos, aos 23 anos ele foi aprovado no último concurso da autarquia
dentro da cota para deficientes.
Apesar de
pertencer a uma família humilde, em que sete irmãos dependiam de um
salário mínimo para viver, Carlos não desanimou e estudou sempre. Após
terminar o Ensino Médio aos 17 anos, ele passou a conciliar o curso
tecnólogo de gestão ambiental e os estudos para concurso público. “Eu
tinha conseguido a minha primeira aprovação no TRT da 10ª Região – onde
ainda estou no cadastro reserva, mas sem expectativa de ser convocado -,
além de ter feito outras provas e quase ter passado. Foi quando saiu o
edital da ANTT e vi que dominava o conteúdo da prova. Restavam
apenas três semanas para aprender as matérias específicas, e, para
completar o edital, gastei seis horas por dia estudando videoaulas”,
calcula.
Carlos conta que a prova para
deficientes é igual à aplicada aos demais candidatos, com o diferencial
de que para ele os testes são sempre orais. “Faço concurso desde os 17
anos, e no começo ficava acanhado de falar em frente a duas ou até cinco
pessoas estranhas, principalmente quando tinha redação. Mas, com o
tempo, percebi que os próprios aplicadores ficavam às vezes mais
nervosos que eu. Foi aí que entendi que transmitir segurança, e quebrar o
gelo puxando algum assunto variado, faz com que os testes sejam mais
tranquilos.
Foi uma grande experiência, pois
aprendi que somos nós que ditamos o ritmo da situação”, constata o
servidor que solicitou o trabalho de um transcritor de gabarito e um
ledor de prova para passar na ANTT.
Apesar
da confiança, ele afirma que existe preconceito com quem utiliza o
sistema de cotas, pois muitos pensam que o concurso é mais fácil. “Tanto
na lista geral como nas cotas, os concursos estão cada vez mais
concorridos. O problema é que a caminhada para o deficiente é muito mais
árdua, desde a inclusão na escola regular até a utilização do
transporte público. Os desafios estão em todas etapas, por toda cidade. A
cota serve para minimizar essa desigualdade”, acredita. Apesar da
aprovação, ele teve que esperar a convocação de 20 candidatos da lista
geral para ser nomeado, como estabelece o edital do concurso.
Porém,
Carlos garante que a discriminação só existe da porta para fora da
ANTT. “Sempre tive a sensação de que é muito mais fácil um deficiente
sofrer preconceito na rua, do que quando usa um crachá de servidor
público. Infelizmente isso acontece, depois de passar em um concurso a
galera tem mais respeito. Por isso eu não esperava ser tão bem
recepcionado. Mas, em pouco tempo de convívio, tanto eu quanto o pessoal
do meu setor entendemos que essa diferença existe para somar e que
todos sairíamos ganhando, estou muito à vontade”, comemora.
A
chegada de um deficiente físico também foi uma novidade para os colegas
de trabalho. Segundo Cleber Dias, chefe do setor, a primeira reação foi
bastante positiva, pois os servidores já demonstraram preocupação em
identificar as necessidades dele para antecipar as providencias. “Hoje,
ele pode contar com o apoio de todos, inclusive para eventuais
deslocamentos dentro do prédio. No mais, ele tem contribuído para
execução das atividades da área de capacitações dos servidores com muita
disposição e compromisso, é mesmo um exemplo de dedicação para todos”.
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O
trabalho de Carlos é feito basicamente no computador, máquina que já
estava acostumado a manusear. Mas, de acordo com a terapeuta ocupacional
Luciana Rodrigues, após uma avaliação completa foi necessário fazer
alguns ajustes - como a criação de atalhos para facilitar a digitação,
além de adaptações estruturais, como uma modificação na porta da sala e o
reposicionamento da saboneteira no banheiro. “O objetivo é fazer com
que ele se sinta independente para circular quando quiser no ambiente de
trabalho, como qualquer servidor. O Carlos me comoveu pela força de
vontade, de empenho em estudar, que não é comum. E ele tem potencial de
reabilitação, com ajuda pode melhorar os movimentos e a fala”, avalia a
profissional.
Ajuda
Ajuda
Para
chegar ao trabalho, Carlos precisa acordar às quatro horas da manhã
todos os dias. Morador de Brazlândia, cidade a cerca de 50 km da
capital, ele depende do transporte público para ir e voltar do Setor de
Clubes Sul, onde fica a autarquia. Dessa maneira, pega quatro ônibus e
leva aproximadamente quatro horas por dia nesse deslocamento. O trajeto
já é complicado para quem consegue andar com as próprias pernas, mas
Carlos, além de deficiente físico, também não tem cadeira motorizada.
Para
tentar resolver o problema, ele já encaminhou pedido do aparelho a
Secretaria de Saúde do DF, mas existe uma lista de espera de mais ou
menos seis meses e, até lá, aceita doações.
A
guardiã do servidor é dona Letícia, mãe de Carlos, que conduz a cadeira
de rodas todos os dias. Quando começa o expediente, ela aguarda do lado
de fora da sala durante quatro horas até ele ser dispensado - o horário
de Carlos é reduzido devido à deficiência. Mulher de poucas palavras,
ele diz que ficou muito feliz com a aprovação do filho, “um orgulho só”.
Para além dos obstáculos físicos, Carlos não desanima e também luta contra o estereótipo de comodidade do funcionalismo público. “Eu vi no concurso público algo que adoro, ser responsável pelo meu futuro. Depois da escola, eu sabia que teria que continuar vencendo desafios, continuar estudando. Isso sem dúvida me ajudaria a crescer, em todos os sentidos. Quando eu soube da aprovação, poderia escolher descansar, mas vou deixar para quando passar em um concurso de nível superior. A meta agora é o Senado Federal”.
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Para além dos obstáculos físicos, Carlos não desanima e também luta contra o estereótipo de comodidade do funcionalismo público. “Eu vi no concurso público algo que adoro, ser responsável pelo meu futuro. Depois da escola, eu sabia que teria que continuar vencendo desafios, continuar estudando. Isso sem dúvida me ajudaria a crescer, em todos os sentidos. Quando eu soube da aprovação, poderia escolher descansar, mas vou deixar para quando passar em um concurso de nível superior. A meta agora é o Senado Federal”.
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